Autor: Renato Meneses Tôrres
“O Conselho Tutelar não é mais uma repartição pública onde o povo seja submetido à tortura de ser destratado, maltratado e violado em seus direitos de cidadão. Deve ser o contrário disso. Foi criado para fazer o contrário do que repartições, em seus hábitos, usos e costumes, vêm fazendo com a população brasileira, desrespeitada em sua cidadania.” (SÊDA, Edson)
1. Conselhos Tutelares: Espaços de Garantia dos Direitos da Criança e Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente representou um marco na história dos direitos da criança e adolescente ao detalhar os inúmeros direitos à que fazia jus esta parcela da população.
Assim o é que, em virtude de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, às crianças e adolescentes foram garantidas o direito de ir e vir, de convívio familiar, a ser educada, à receber cuidados de saúde, ao lazer, à cultura, à profissionalizar-se entre tantos outros. Neste sentido surge o Conselho Tutelar – órgão permanente, autônomo e não jurisdicional encarregado pela sociedade de zelar pelos direitos da criança e adolescente.
O surgimento deste órgão além de se constituir em espaço de garantia dos direitos da criança e adolescente simbolizou também a consolidação do princípio da participação da população na gestão pública no Brasil. Esse fenômeno surgido com a Constituição Federal de 1988 consolida-se gradualmente no ideário de Estado Moderno brasileiro e, segundo o sociólogo e Ex-Presidente – Fernando Henrique Cardoso – é mais importante do que o parlamento livre e as liberdades políticas para os países latino-americanos.
Como sabemos o Conselho Tutelar, afigura-se como instrumento de participação democrática vez que é escolhido pela comunidade e formado por seus pares para atender à população infanto-juvenil visando à garantia de seus direitos.
Ressalta-se assim que não lhe caberá a prestação direta dos serviços, mas o atendimento às queixas, às reclamações, às reivindicações, às solicitações feitas pelas crianças, adolescentes, suas famílias e pela população em geral. Assim sendo, ao Conselho Tutelar são conferidas algumas atribuições visando a garantia de todos os direitos estatutariamente assegurados às crianças, aos adolescentes e às suas famílias.
2. Algumas Atribuições dos Conselhos Tutelares
Pois bem, dentre estas atribuições estão a de atender crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal, a de aconselhar os pais ou responsável e a de promover a execução de suas decisões, esta última já detalhada em texto anterior. Neste texto, entretanto, nos ateremos aos demais, sobretudo aqueles do artigo 136, incisos IV a XI do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, o inciso IV, preleciona que toda vez que o Conselho Tutelar tomar conhecimento de fatos que configurem crimes ou infrações administrativas contra crianças e adolescentes, deverá, oficiar ao Ministério Público expondo os fatos minuciosamente, para que sejam tomadas as providências cabíveis.
Há de se destacar que não apenas os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também àqueles previstos pelo Código Penal, (especialmente os dos artigos 244 à 249), devem ser comunicados ao Promotor de Justiça. Adiante o inciso V, refere-se ao encaminhamento, pelo Conselho Tutelar, dos casos de competência da autoridade judiciária. Como já destacamos em textos anteriores há uma grande confusão por parte de alguns conselheiros que insistem em pedir ao Juiz da Infância e Juventude, providências em relação à encaminhamentos diversos, tais como, registro em cartórios, matrículas em escolas, entre outros, os quais já possuem autonomia para tanto garantida pelo ECA.
Assim, visando evitar tais equívocos, o Conselheiro Tutelar deve estar atento às atribuições do juiz constantes nos artigos 148 e 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Segue-se no inciso VI a atribuição de providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre aquelas previstas no art. 101, I a VI, para o adolescente autor de ato infracional. Tal atribuição frisa-se, não deve ser entendida com executar a medida protetiva propriamente dita vez que conforme dispõe o artigo 90 do ECA, esta compete às entidades que compõem a rede de atendimento.
Assim sendo, o Conselho Tutelar apenas providenciará que a medida seja efetivamente executada, controlando e fiscalizando sua operacionalidade. Dispõe o inciso VII, sobre a atribuição do Conselho Tutelar de expedir notificações, as quais possuem caráter meramente administrativo, sem, contudo exercer mandado coercitivo ou de imposição, muito embora, a sua não observação possa configurar crime ou infração administrativa prevista pelo Estatuto.
O inciso VIII confere ao Conselho Tutelar a atribuição de requisitar, quando necessário, certidões de nascimento e de óbito. Tal atribuição afigura-se por demais importante vez que no cumprimento de medida protetiva determinada pelo próprio Conselho Tutelar, este deve conforme preconiza o artigo 102 do ECA, providenciar a regularização do registro civil.
No inciso IX está consubstanciado o grau de importância e responsabilidade conferido pelo Estatuto ao Conselho Tutelar, atribuindo a este o dever de assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Infelizmente, não vislumbramos na realidade o pleno exercício de tal atribuição, seja por desrespeito do administrador municipal ou pela passividade dos conselheiros à tal situação.
É por demais importante ressaltar que o Conselho Tutelar como representante da comunidade na Administração municipal, tem melhores condições de indicar ao Executivo municipal as deficiências de atendimento dos serviços públicos. Nesse sentido, bem expressa Rose Mary de Carvalho: “Essa atribuição é extremamente importante, porque ninguém é melhor que o Conselho Tutelar para assessorar o Poder Executivo local na área relacionada com a criança e o adolescente, pois, sendo o representante da comunidade, é ele que sabe das necessidades das crianças e adolescentes que vivem em seu seio, devendo propor ao Poder local a consecução de recursos necessários e a definição de programas que devem ser priorizados para solucionar os problemas advindos da marginalização da criança e do adolescente no Município”.
Portanto é importante que o administrador municipal estreite os laços com os Conselhos Tutelares, bem como, os próprios conselheiros se façam presentes requisitando audiências públicas com prefeitos e vereadores sempre de posse de diagnósticos de atendimentos e de planos de trabalho no sentido de nortear a elaboração da proposta orçamentária.
Adiante, no inciso X, outra atribuição do Conselho Tutelar: “representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, II da Constituição Federal”.
Pois bem, dispõe o art. 220, § 3º, II da Constituição Federal: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. [...] § 3º Compete à lei federal: [...] II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 2215, bem como de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos de saúde e ao meio ambiente.”
Nesse sentido, o Poder Público emitiu normas a respeito, tais como a Lei 10.359, de 27/12/2001, bem como Portarias do Ministério da Justiça elaboradas pelo Departamento de Classificação Indicativa, órgão responsável por estabelecer regras nesse sentido.
Ainda há de se ressaltar que equivocadamente ou não o legislador elevou sobremaneira o grau de importância deste assunto, inclusive, inserindo-o no rol de infrações administrativas no art. 254 do ECA.6 No inciso XI, atribui-se ao Conselho Tutelar a função de representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar. Tal atribuição afigura-se de grande responsabilidade em sua aplicação haja vista, lugar de criança ser na família.
Nesse sentido, Públio Caio e Wilson Donizete: “A família é o primeiro agente socializador do ser humano. A falta de afeto e de amor da família gravará para sempre seu futuro”. Assim sendo, apenas em casos comprovados de maus tratos, abandono ou descumprimento dos deveres e obrigações de guarda, sustento e educação o Conselho Tutelar representará ao Ministério Público para proposição da ação de perda ou destituição do poder familiar.
Finalmente, concluída a análise das atribuições do Conselho Tutelar, razão assiste a Thales Tácito ao dissertar quanto aos requisitos necessários para o pleno e efetivo exercício da função: “A consolidação do respeito aos conselhos tutelares depende de uma atuação efetiva e frutífera no seio da comunidade a que servem. É dever de todo conselheiro estudar a Lei nº 8.069/90 e estar suficientemente preparado para o bom exercício de suas graves atribuições, mantendo sempre serenidade e bom senso de todos os que, em razão do ofício, lidam diariamente com vidas humanas, mormente quando tais vidas pertencem a crianças e adolescentes.”
Notas:
1.Diz-se que são permanentes e autônomos por não estarem vinculados nem ao Poder Judiciário, nem ao Legislativo ou Executivo; e, não jurisdicionais, por não possuírem a capacidade de dizer o direito.
2.“A administração pública democrática pressupõe o estímulo à participação do cidadão na gestão pública, fiscalizando e aprimorando os serviços públicos. A introdução de avanços democráticos e populares que supõem o controle direto de agências estatais de serviço e a definição das políticas sociais pelos usuários, bem como a generalização de técnicas sociais de decisão e controle, são tão importantes para a reforma das sociedades latino-americanas como o parlamento livre e as liberdades políticas.” (Grifos nossos) (CARDOSO, Fernando Henrique, apud, SOARES, Mário Lúcio Quintão)
3.“Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: [...] IV – encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e adolescente; V – encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência; VI – providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional; VII – expedir notificações; VIII – requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente, quando necessário. IX – assessorar o Poder Executivo local na elaboração de propostas orçamentárias para planos de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; X – representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da CF; XI – representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.”
4.CURY, Munir (Coordenador). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000
5.Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
6.Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação. Pena – multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência. A autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.
3.Referências Bibliográficas:
BRASIL. Código de Menores. BRASIL.
Lei 8.069, de 13/07/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
CERQUEIRA. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Premier, 2005.
CURY, Munir (Coordenador). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. LIBERATI, Wilson Donizeti; CYRINO, Públio Caio Bessa. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
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